Alpha
<i> Olhos vazios. Paradoxo no tempo. Alpha sumia como poeira no vento. Era fluída, alta e por isso inalcançável. Não se apegava a padrões de beleza, não tinha cabelo. Seu único luxo era uma corrente sufocando o pescoço. Parecia não se importar com o mundo distópico em que vivia, não lia notícias, odiava política. Pairava sobre a Favela das Cinzas, e a fúria era sua melhor amiga. Somente exigia seu direito de ficar sozinha.
Mês do cachorro louco, ano de 2050, o Brasil estava coberto por uma estranha névoa que cheirava a podre. E os representantes do país eram déspotas que induziam a população a uma espécie de coma, a Panema – comumente chamada. Tudo estava um caos, mas ao mesmo tempo as pessoas fingiam que nada acontecia.
Começou com um pequeno surto: um homem de meia idade, bem de vida, voltou da Europa. Lá visitou as famosas basílicas de Roma, talvez como uma tentativa ostensiva de reforçar a sua fé medíocre. E como se o universo tivesse virado do avesso, o velho não recebeu um milagre, mas sim uma maldição.
Voltou para a esposa, dedicada ao lar, e para os queridos filhos de pele clara. Eram machos, massudos e se gabavam por não fraquejar. Bem criados, a consequência era ter o que quisessem. Devoravam os pães e tantas outras mulheres... Esse poder, graças ao acaso, escoou pelo ralo com o mesmo valor que corre pela vala o sangue de um indigente.
A brisa soprou do Sul e os que estavam em seu caminho foram caindo como peças de dominó. Os olhos escorriam, a garganta afogava, e a pele apodrecia. As partículas estavam suspensas no ar. Quem ficou de pé respirou o vento contaminado e contraiu a doença. A Panemia era o pior tipo de manifestação do vírus, era cruel. Fazia com que um indivíduo coagisse o outro a aceitar a morte. De certo modo era metalinguístico, visto que todo mundo já estava um pouco morto por dentro.
Não importa que lá fora o respirar corroía as ventas e cessava o coração. Ninguém deixou de levantar, iam saindo, e na tentativa de colheita não retornavam com nenhum fruto. Até a frustração que antes aquecia o corpo não se manifestava mais.
Inventaram de subir o morro, os representantes, Eduardo, Carlos e Flávio. Como lesmas, deixavam um rastro de chorume por onde passavam. Curiosa, uma criança saiu de sua realidade para ver a fábula, mas desventurada recebeu o toque mortal e desfaleceu. Mandaram chamar o Get, que do seu barraco avistou a cena com indignação. Ninguém bagunçava sua comunidade, então firmou uma recompensa: 30 mil pela cabeça dos três.
As bocas se mexiam demais, os pés pisavam pesados e sem rumo, o barulho era insuportável. E como um turbilhão, Alpha cruzou as vielas até chegar no olho do furacão. Lá encontrou uma horda de panêmicos, que no ápice da mutação apunhalavam uns aos outros. Decidiu acabar com todo o seu sofrimento. Congelou o tempo. Fincou a mão em seu peito e devorou o próprio coração, isso fez com que ela explodisse igual uma supernova.
Voaram as adagas e os pedaços de carne podre. Restou quem não estava lá, quem se guardou atrás de paredes, ou se escondeu como uma ratazana, como eu. Depois de tudo, a natureza dedicou-se a reparar sua úlcera e os humanos a planejar como destruir tudo novamente.</i>
By: Jeane Vitória, São Paulo, Brazil.
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